Fonte: Amigas do parto
Métodos para alivio da dor no trabalho de parto
Por Roxana Knobel*
09 de Novembro de 2004
Introdução
A dor durante o trabalho de parto é universal: parir foi e é considerado doloroso por quase todas as culturas do mundo. Em nossa cultura, predominantemente judaico-cristã, as dores no parto são vistas como um castigo de Deus a Eva e suas descendentes pelo pecado original: "Multiplicarei as dores de tua gravidez, será na dor que vais parir os teus filhos" (Gênesis, III, 16).
A hospitalização do parto, levando-o a ser considerado um evento médico-cirúrgico, e a percepção cultural de que toda dor é um sintoma de doença e deve ser suprimida, resultaram na crença de que a dor no parto é dispensável e sem valor, e deve ser curada com equipamentos e tecnologia apropriados.
No entanto, muitas mulheres demonstram o desejo de lidar com a dor no trabalho de parto e parto sem intervenções farmacológicas. Isso se deve ao desejo de pouca interferência no processo fisiológico do nascimento, de “estar no controle”, de ter escolhas, de ser encorajada a confiar no corpo para superar a barreira da dor por seu próprio ritmo natural. Também pelo medo de efeitos colaterais que possam afetar a criança, já que a mulher passa a gestação inteira sendo alertada quanto aos perigos do uso de qualquer medicação para seu filho.
Não é possível prever a intensidade da dor para cada parto. Cada mulher é única e cada parto é vivenciado de forma única. Diversos fatores podem influenciar a intensidade da dor sentida por uma parturiente, como a tensão, a ansiedade e o medo do parto, a motivação para o parto e a maternidade, a paridade (primíparas referem mais dor que multíparas), a participação de cursos de preparação para o parto, a idade da paciente, o nível sócio-econômico, o antecedente de dismenorréia (cólica menstrual), o tamanho do feto, o peso da parturiente, a hora do parto, outras experiências dolorosas vivenciadas antes do parto, a posição da parturiente durante o trabalho de parto, o uso de drogas para induzir ou aumentar as contrações uterinas, além de normas sociais que também podem influenciar o julgamento da intensidade da dor.
Mesmo quem não pretende utilizar nenhum método para alívio da dor no trabalho de parto e parto, precisa conhecer os disponíveis. Em algumas situações pode haver necessidade e, conhecendo as alternativas, pode-se participar da escolha do método.
Para escolher os métodos analgésicos que podem ser utilizados, devem ser considerados riscos, benefícios e também o desejo da parturiente. Lembrando que um alívio total da dor não necessariamente implica em uma experiência de parto mais satisfatória. O importante é que a parturiente se sinta segura e confortável. Conversar com a equipe de assistência e incluir os métodos de preferência e os que NÃO deseja utilizar no “plano de parto” é essencial.
Pensando no conforto, mais que no alívio da dor em si, inicio com algumas “dicas”para as parturientes. Essas dicas são baseadas em um texto da internet (infelizmente perdi a referência) e na prática de acompanhar gestantes. A seguir, apresento as técnicas não farmacológicas mais estudadas de maneira “científica” com alguns comentários e, finalmente, comento as técnicas farmacológicas.
30 medidas para o conforto durante o trabalho de parto:
A parturiente pode tentar todas as que quiser. Certifique-se de sentir-se confortável. O que propicia uma deliciosa sensação de alívio para uma mulher pode não servir para outra. E, com o avanço da dilatação, o que antes parecia confortável torna-se incômodo. Tanto a mulher quanto seus acompanhantes devem estar prontos para ir mudando as técnicas.
Ambiente:
· Pouca luz
· Som “pacífico” (parecem ser melhores os sons da natureza (como pássaros, água correndo, ondas), mas os naturais mesmo, não gerados por sintetizador).
· Privacidade (em alguns locais isso é um pouco difícil, mas pode ser conseguido com um “isolamento” com cortinas improvisadas com lençóis, por exemplo.
· Aconchego
· Música
Físico:
· Caminhar
· Balançar a pelve
· Deitar sobre travesseiros
· Dançar “música lenta” com o parceiro
· Sentar na “bola de parto”
· Levantar o abdômen
Toque:
· Massagem
· Tapinhas no local da dor
· Afagar/ acariciar
· Contrapressão na região lombar
· Do-in
Calor:
· Banho de banheira
· Banho de chuveiro
· Compressas quentes
Frio:
· Compressas frias
· Tecido frio para colocar no rosto
Cognitivo:
· Visualização
· Afirmação
· Atenção na própria respiração
· Padrões de respiração
· Não focar a atenção em nada (atenção a todos os sons, cheiros, sensações táteis sem focar)
· Rezar
Outros:
· Aromaterapia
· Cromoterapia
· Vocalização
· Acompanhante ao parto
Técnicas:
Não Farmacológicas
São técnicas que não utilizam remédios ou drogas. O alívio da dor que proporcionam é menor do que o obtido com as técnicas farmacológicas, mas, geralmente, não tem contra-indicações ou efeitos colaterais.
Há atualmente, a busca por um cuidado mais natural, menos agressivo, com menor interferência nos processos fisiológicos, e que considere o ser humano como um todo. Nesse sentido, cada vez mais se difundem as chamadas medicinas alternativas ou complementares. Vários são os motivos que levam a população a procurar esse tipo de tratamento: a possibilidade de maior comunicação, empatia e contato com o profissional; a possibilidade de uma consulta mais personalizada; a crença de que é uma terapia mais natural e com menos efeitos colaterais; a preferência pela filosofia holística desses tratamentos (no caso, acreditar na importância da mente, corpo e espírito), em oposição ao modelo mecânico e reducionista da medicina tradicional; a maior ênfase que a medicina complementar dá à nutrição, fatores emocionais e estilo de vida na manutenção da saúde, e a insatisfação com o tratamento de patologias crônicas oferecido pela medicina tradicional.
Psico-profilaxia
A "analgesia psicológica" e psico-profilaxia apresentam princípios que variam conforme a época e o autor, mas baseiam-se em preparação para o parto. Essas técnicas podem ser iniciadas durante o pré-natal. A gestante e parceiro são orientados sobre a fisiologia do trabalho de parto e parto e sobre os procedimentos de rotina no local onde vão ter o bebê. Também são treinados e praticam sobre como executar massagens e práticas de respiração e de relaxamento que ajudam no processo do nascimento.
As vantagens deste tipo de preparação são: redução da dor, menor necessidade de drogas analgésicas e maior satisfação do casal com o parto.
Presença de acompanhante
Outro fator que comprovadamente ajuda a parturiente no momento do parto, inclusive com redução dos níveis de dor, é a presença de uma pessoa como acompanhante durante o todo o trabalho de parto. Essa pessoa pode ser escolhida pela mulher (sendo o marido, a mãe, uma amiga), ou pode ser alguém especificamente treinado para o acompanhamento do trabalho de parto (doula). A presença da doula durante o trabalho de parto foi relacionada com menor dor, menor necessidade de analgesia, menor taxa de partos operatórios e maior satisfação com o parto em ensaios clínicos randomizados.
A palavra obstetrícia é de origem latina, derivada da palavra obstetrix, originária do verbo obstare, que tem o significado de ficar-ao-lado ou em-face-de. A obstetrícia atual parece ter perdido seu objetivo de "estar ao lado" da parturiente. A formação médica não inclui o ensino da importância do apoio psicológico e afetivo aos pacientes, e o médico não aprende a lidar com eles, menos ainda com pacientes que estão com dor. Quando faltam alternativas para mitigar a dor e há pouca informação a respeito de como esse acompanhamento mais próximo poderia por si só ajudar o paciente, o médico tende a se afastar, piorando a situação.
Embora não existam estudos a respeito, parece claro que, se o profissional que acompanha o trabalho de parto se dispõe a “estar ao lado” da parturiente e sua família, a dor, o desconforto e o medo serão menores. Mas, mesmo um profissional disposto, não substitui o(s) acompanhante(s) de escolha da mulher parturiente.
Não ficar deitada
Há muito se sabe que a gestante não deve ficar muito tempo deitada de barriga para cima. O peso do útero com o bebê aperta uma veia que passa entre a coluna e o útero e diminui a chegada de oxigênio para o feto. Muitos estudos mostram que a mulher sente menos dor (principalmente no período expulsivo) se ficar na posição que lhe for mais confortável. Durante o trabalho de parto também se acredita que a dor fica menos intensa se a mulher parturiente puder se movimentar sem ficar “presa” à cama.
Banhos
O banho de imersão comprovadamente alivia a dor, deixa a parturiente mais relaxada e diminui a necessidade de utilizar drogas analgésicas para o alívio da dor. Não tem nenhum efeito colateral importante ou contra-indicação.
Na maioria dos hospitais do Brasil não há disponibilidade de banhos de imersão. Na prática clínica observa-se que o banho de chuveiro também ajuda a aliviar a dor e relaxar a mulher em trabalho de parto.
Acupuntura
A acupuntura é uma alternativa não farmacológicas para o alívio da dor e vêm se difundindo progressivamente no Ocidente. É uma prática terapêutica milenar originada no oriente e inserida no conjunto de conhecimentos da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) e envolve a estimulação de determinados pontos na pele com agulhas. Na Europa, 12 a 19% da população relataram já ter utilizado a acupuntura, e calcula-se que mais de um milhão de americanos a utilizem anualmente. Suas propriedades vêm sendo progressivamente mais aceitas entre médicos ocidentais e em pesquisa realizada nos EUA em 1998, 51 % dos médicos referiram praticar acupuntura ou recomendar seu uso.
Especificamente para a Obstetrícia, esta técnica já foi utilizada para alívio de náuseas e vômitos, indução de trabalho de parto, versão de fetos pélvicos, alívio de dores musculares e osteoarticulares, para analgesias de cesárea, período de dilatação e parto.
Sua utilização no trabalho de parto e parto pode aliviar a dor e diminuir a necessidade de utilizar métodos farmacológicos. Com a utilização da acupuntura, o estado de consciência da mãe não se altera, permitindo que a mesma seja participativa no parto sem interferir, posteriormente, no contato da mãe com o recém- nascido e no início precoce da amamentação. É uma técnica segura, já que a fisiologia não é modificada e, de todos os estudos consultados incluindo, ao todo, mais de mil e duzentas gestantes, não foi relatado qualquer efeito colateral importante para a mãe ou para o concepto. Complicações relacionadas à acupuntura são raras e decorrem de tratamento incorreto, insuficientes conhecimentos médicos e sobre os pontos de acupuntura, deficiência de higiene e esterilização das agulhas. Por isso, a prática da acupuntura deve ser realizada por um profissional devidamente treinado, com agulhas esterilizadas ou descartáveis.
Os pontos e técnicas de acupuntura utilizadas variam imensamente entre os autores. Não existem citações clássicas específicas para o alívio da dor no trabalho de parto e parto. Para a Medicina Tradicional Chinesa, o parto fisiológico não cursa com dor intensa, mas não temos informações suficientes para afirmar se era esperado que as mulheres experimentassem essa dor, se ela realmente não era considerada intensa ou insuportável, ou ainda se a acupuntura não era considerada eficaz para o seu alívio.
Os pontos mais citados nos trabalhos publicados são os sacrais, principalmente o Ciliao (B32), que foram utilizados pela grande maioria dos autores, em conjunto com outros pontos ou isoladamente e foram estimulados com agulhas ou com a aplicação de água destilada sub-cutânea. A utilização da técnica de acupuntura auricular conjuntamente com o restante do corpo também foi tentada e os pontos utilizados foram útero, sistema simpático e Shen Men.
Eletrodos de superfície
A aplicação dos eletrodos de superfície também se baseia na estimulação de pontos ou regiões da pele, mas através de condutores que transmitem um estímulo elétrico fraco.
Os estudos com eletrodos de superfície apresentam resultados conflitantes, sendo que alguns autores confirmam seu efeito analgésico na dor do trabalho de parto e outros afirmam que esse efeito não existe ou é apenas “placebo”. Em pesquisa realizada na UNICAMP, comprovamos a possibilidade de utilizar eletrodos de superfície pare esse fim, com a mesma eficácia que a acupuntura tradicional. Com a vantagem de não necessitar a aplicação de agulhas, por isso, tem um custo menor e um incômodo menor para a parturiente.
Massagens
Diversos tipos de massagens podem ser feitos para alívio da dor no trabalho de parto. Em pontos de acupuntura, com gelo, com compressas quentes, no períneo, com óleos aromáticos. Talvez essas pesquisas científicas sejam dificultadas pela diversidade das técnicas possíveis e pela naturalidade com que se faz massagens em uma pessoa com dor. Não há efeitos colaterais descritos.
A prática clínica mostra o grande efeito analgésico que a massagem pode proporcionar. Deve ser respeitado o desejo e a experiência pessoal de cada gestante no momento de aplicação da massagem.
Hipnose
Pode ser realizada por um profissional ou a parturiente pode aprender a se auto-hipnotizar. Mulheres que foram hipnotizadas com o objetivo de aliviar a dor no trabalho de parto referiram uma maior satisfação com o manejo da dor do que as que não utilizaram.
Diversos
Existem diversas técnicas que podem ajudar a aliviar a dor, o desconforto, a ansiedade e o medo durante o trabalho de parto. Não há estudos científicos mostrando que essas atitudes são realmente eficazes, ou há estudos e estes não conseguiram demonstrar nenhum efeito. Mas isso não significa que, individualmente elas não funcionem, muitos obstetras e enfermeiras obstétricas orientam as parturientes a utilizar algumas dessas técnicas e com resultados bons.
Certamente, nenhuma das técnicas sugeridas tem efeitos colaterais ou complicações:
· Aromaterapia
· Música
· Vocalização
· Homeopatia
· Preces
Farmacológicos
São assim chamados porque utilizam alguma droga, ou fármaco. Podem ser sistêmicos (que agem em todo o corpo) ou regionais (aplicados na medula vertebral, anestesiam apenas alguns lugares do corpo).
Opióides
Método farmacológico sistêmico. É um remédio, geralmente aplicado via muscular ou endovenosa (injeção no músculo ou na veia). Muito eficazes na redução da dor, mas apresentam efeitos adversos consideráveis. Na mãe, podem causar depressão respiratória, e no recém-nascido depressão respiratória, índices de Apgar baixos e acidose. Além disso, podem dificultar a interação entre mãe e filho nas primeiras horas após o parto, comprometendo o início precoce da amamentação. Seus efeitos em longo prazo no recém-nascido ainda não estão completamente esclarecidos.
Oxido Nitroso
Método farmacológico sistêmico. No Brasil é pouco utilizada para alívio da dor no trabalho de parto. Seu efeito analgésico é pequeno (não alivia tanto a dor). No entanto, é segura e seu efeito cessa assim que a gestante deixa de inalar a droga. Grande parte das gestantes que o utilizam queixam-se de náuseas e sensação de embriaguez, o que está relacionado com o fato da mulher considerar o parto como uma “experiência desagradável”.
Analgesia peridural e bloqueio combinado raquidiano-peridural
Método farmacológico regional. Para sua aplicação, é necessário que um médico anestesiologista esteja presente. Uma ou mais medicações são injetadas na coluna, ou em um espaço chamado peridural, ou diretamente no canal vertebral, ou em ambos. A parturiente deve ficar deitada de lado ou sentada e o procedimento de aplicação é rápido e pouco doloroso.
Atualmente são formas práticas, eficazes e relativamente seguras de dar a luz sem dor. Indubitavelmente, são os métodos mais eficazes para aliviar e até eliminar a dor. Quando a técnica utilizada é correta, o bloqueio motor é menor e permite mobilidade, participação da parturiente e puxos eficazes no período expulsivo.
No entanto, há evidências de que os bloqueios regionais aumentam o tempo do primeiro (período de dilatação) e do segundo estágios do parto (período expulsivo), a incidência de distócias de apresentação fetal (a cabecinha do bebê encaixa na bacia de forma errada), o uso de ocitocina e o número de partos instrumentais. Discute-se o fato da utilização da analgesia peridural estar associada a maiores taxas de partos por cesárea, sendo que alguns autores encontraram associação e outros não concordam com essa afirmação. Quando se utiliza a anestesia raquidiana, pode ocorrer dor de cabeça após. Complicações graves podem ocorrer, mas são extremamente raras.
Além da recusa da mulher em utilizar o bloqueio regional, há outros motivos para não utiliza-lo no momento do parto, por exemplo, contra-indicações médicas. Também são caros e necessitam de infra-estrutura hospitalar para serem aplicados, então, limitações do local do parto e econômicas também impedem a utilização dessa técnica.
* Roxana Knobel é médica ginecologista e obstetra, atualmente reside em Florianópolis (SC). É Mestra em Medicina pela UNICAMP, com a Dissertação “Acupuntura para alívio da dor no trabalho de parto” e Doutora em tocoginecologia pela UNICAMP, com a tese “Técnicas de acupuntura para alívio da dor no trabalho de parto – ensaio clínico”.
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
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